Sempre que se discute Protecção Civil em Portugal, essa discussão decorre, normalmente, de uma campanha de combate a incêndios florestais difícil. Não querendo ir mais atrás, foi assim em 2003, 2005, 2013, 2016 e está a ser, mais do que nunca por motivos tristes e óbvios, 2017. Por este mesmo facto, a entidade responsável por esta área em Portugal , a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), seja particularmente falada e até formatada para este tipo de ocorrência. Desde o seu início que assim é.
Ora, um Sistema de Protecção Civil capaz e eficaz, tem de ter, obviamente, uma abrangência de preocupações muito para além daquelas que decorrem dos incêndios florestais. Quer o sistema, quer a entidade que o gere e o orienta, devem nas diversas fases do Ciclo da Gestão de Emergência focar-se numa série de possíveis ocorrências, sejam elas de origem natural ou tecnológica.
Tendo em conta que a ANPC sempre teve o seu foco e atenção mediática no período de incêndios florestais , os Comandantes, os Segundos Comandantes e Adjuntos que lhe estão afectos, quer a nível nacional como a nível distrital, são avaliados (nomeadamente no plano mediático), quase exclusivamente, pelo seu desempenho nesta mesma época. Fará sentido isto acontecer? Fará sentido que estes responsáveis operacionais possam ser especialistas em tantas áreas, tendo em conta que podem estar a comandar operações em ocorrências de origem diversa? E, por outro lado, é normal que sejam avaliados somente pelo seu desempenho numa delas? Na minha opinião, a resposta a todas estas questões é não. Ninguém é especialista em combate a incêndios florestais num dia e, no dia seguinte, é especialista numa operação de resgate de vitimas de um sismo, por exemplo. E é por isto e não só, que a ANPC no que à fase da Resposta diz respeito, deveria ter, acima de tudo uma função de coordenação e nunca de comando. A ANPC só deveria "entrar em campo" na fase da Resposta, quando uma operação de socorro pela sua complexidade e dimensão passa a ser uma operação de Protecção Civil. Por exemplo, um Grande Incêndio Florestal (GIF), quer pelos diversos agentes presentes no Teatro de Operações, quer pela possível necessidade de deslocamento de populações, quer pela necessidade de corte de estradas ou quer pela logística necessária ao desenrolar da operação, entre outros, é em si uma operação de Protecção Civil. E aqui sim, a ANPC deve ter um papel importante não como comando, mas sim como coordenador. No comando de operações de um GIF devem estar elementos com conhecimentos específicos (daí serem especialistas...) em incêndios florestais. Com conhecimentos para avaliar a possível evolução do incêndio, com capacidade de utilizar a informação meteorológica disponível, entre outras questões. Sendo coadjuvados por pessoas com igual conhecimento e que conheçam, efectivamente, o terreno onde o incêndio evolui e as características do mesmo.
Este exemplo de um GIF comandado por especialistas, serviria para outra qualquer ocorrência de natureza mais complexa. Faz sentido um Comandante da ANPC assumir o comando de uma dada operação tendo muitas vezes menos conhecimento e experiência que o anterior Comandante das Operações de Socorro? Penso que a resposta é óbvia.
Por isso e nestes dias em que se discutem nomes (em alguns casos, com todo o sentido), talvez fosse positivo ir mais além e discutir o próprio sistema. Se quiserem, os dois sistemas: o Sistema Nacional de Protecção Civil e o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Quando iniciei este texto, o Domingo negro de 15 de Outubro ainda não tinha acontecido mas quando o acabei já tinha conhecimento que, pelo menos, mais 41 portugueses tinham falecido devido aos diversos incêndios florestais ocorridos nesse fatídico dia. Nesse mesmo Domingo, ao largo da nossa costa passou o furacão mais intenso registado no lado Este do Atlântico e que, apesar de ter estado longe de nós, acabou por ter influência na tragédia que se desenvolveu. Se juntarmos à equação a tragédia de Pedrogão e a forma como ela se desenvolveu, o longo período de seca que estamos a viver neste momento, o risco sísmico que grande parte do país tem e as alterações climáticas que são por demais evidentes, temos provas e sinais mais do que suficientes que o nosso Sistema de Protecção Civil irá ser muito mais vezes colocado à prova no futuro e de forma cada vez mais dura.
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