Nota Editorial

Este blog não se apresenta ligado a qualquer organização ou instituição relacionada, directa ou indirectamente, com a Protecção Civil e ao socorro. Não existe aqui qualquer intenção ou presunção de substituir os espaços oficiais das organizações que tutelam esta área ou de outras que com ela estejam relacionadas ou ligadas, quer do ponto de vista informativo, quer do ponto de vista técnico.
É um blog criado por um cidadão com interesse na área da Protecção Civil e que pretende, com o que neste espaço é publicado, dar a conhecer e, se possível, envolver outros cidadãos nas questões ligadas com as matérias da prevenção, mitigação, resposta e recuperação dos diversos tipos de emergências ou catástrofes.
Comunicar possíveis riscos e acções de resiliência é o principal objectivo deste espaço, sempre do ponto de vista de uma cidadania que se quer atenta e participativa.
A frase "todos somos Protecção Civil" é o lema deste espaço.

domingo, 25 de outubro de 2020

COMUNICAÇÃO DE RISCO: ALGUNS CONCEITOS, A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE COMUNICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE PÚBLICA (1ª parte)

Nota: este texto por mim elaborado, foi publicado na edição de Setembro da newsletter do CEIPC (Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil). Esta é a primeira parte do mesmo.

Quando no final de 2019 começaram a surgir as primeiras notícias sobre um novo coronavírus que tinha sido detetado num mercado na cidade chinesa de Wuham, nenhum de nós imaginou as implicações que este vírus teria nas nossas vidas em 2020, quer do ponto de vista da saúde pública, quer do ponto de vista económico. A 11 de Março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, oficialmente, este surto como uma pandemia, já, praticamente, o mundo inteiro se debatia com esta situação, pondo em marcha confinamentos generalizados das populações, naquela que se pode considerar na maior crise à escala mundial desde o fim da Segunda Grande Guerra.

Como é óbvio, Portugal não foi exceção. Ainda antes da declaração do Estado de Emergência no nosso país a 18 de Março, já o Governo, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e restantes entidades com responsabilidades ao nível da saúde pública, diariamente, informavam os portugueses acerca da evolução da pandemia em números, justificavam e explicavam as medidas excecionais adotadas e, sobretudo, alertavam a população para os comportamentos que cada um deveria (deve) adotar no dia-a-dia. Numa primeira fase, com um apelo muito forte (e que a declaração do Estado de Emergência reforçou) para que a população ficasse confinada em casa e reduzisse as suas deslocações ao estritamente necessário, e, numa segunda fase, após o fim do Estado de Emergência, para que a população voltasse à sua vida normal (processo que decorreu por fases e que vai tendo previsíveis avanços e recuos), adotando cuidados e precauções, de modo a que a evolução da pandemia continue, por um lado, a decorrer de forma controlada, sem sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e, por outro lado, para que os danos inevitáveis na economia não sejam ainda maiores do que aqueles que todos já conhecemos e experienciamos.

O que se pretende com este breve trabalho, é referir alguns conceitos relacionados com a Comunicação de Risco, dar enfase à importância do Plano de Comunicação de Risco e, dada à pertinência que a mesma tem no momento atual, abordar de forma breve a Comunicação de Risco em Saúde Pública. Com a elaboração deste texto, é também feito um convite a que cada um possa refletir sobre o processo comunicacional efetuado durante a pandemia, alargando essa mesma reflexão às entidades a que cada um de nós pertence ou acompanha de perto.

 Comunicação de Risco, Risco da Comunicação e Comunicação de Crise

“Comunicar é tornar comum uma informação, uma ideia ou uma atitude” (Lindon et al., 2008)

Para comunicar são necessários quatro elementos:
- Uma fonte ou emissor;
- Uma mensagem;
- Um destinatário ou recetor;
- Um suporte para a mensagem que a permita levar ao recetor.

A comunicação que é efetuada do emissor para o recetor é de sentido único. Para que o emissor tenha a certeza de que a mensagem foi bem compreendida pelo recetor, é necessário que este responda à comunicação. É este feedback que fecha o sistema, tornando-o dinâmico e fazendo com que a comunicação tenha dois sentidos.

Lasswell resumiu o processo de comunicação em cinco questões:
- Quem comunica? (que fontes?);
- A quem? (quem são os alvos?);
- O quê? (que mensagem queríamos transmitir e qual foi realmente assimilada?);
- Como? (que canais de comunicação? Serão os mais eficazes?);
- Com que resultado? (os objetivos foram alcançados? O que é preciso fazer para a tornar mais eficaz?).

De forma sintética, os princípios para uma comunicação eficaz são os seguintes:
- Não querer dizer de mais. Quanto mais complexa a mensagem, maior a dificuldade em ser compreendida e retida;
- A repetição, a redundância, a continuidade e a duração são essenciais para a retenção da mensagem, mesmo que para isso se utilizem diferentes formas de o fazer;
- A coerência global das mensagens emitidas deve ser assegurada, de modo a que não existam informações divergentes ou contraditórias. É por esta razão importante que as organizações definam uma política global de comunicação;
- A obrigação da verdade. Talvez o mais importante princípio de uma boa comunicação. Se esta obrigação não for cumprida, toda a credibilidade do emissor cai por terra. Veicular informações erradas ou omitir informações importantes, pode fazer ruir toda a estratégia de comunicação implementada.

“No seu melhor, a comunicação de risco não é uma comunicação top-down do especialista para o leigo, mas sim um diálogo construtivo entre todos os que estão envolvidos num determinado debate acerca do risco” (Lofstedt, 2003)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a Comunicação de Risco como “troca de informações, aconselhamento e opiniões em tempo real entre peritos, líderes comunitários ou responsáveis e as pessoas em risco” (OMS, 2018). Diz-nos também que esta é parte integrante de qualquer resposta de emergência e que todos os grupos interessados devem ser envolvidos neste processo, incluindo os não peritos. Para Gisela Oliveira, a Comunicação de Risco é um conjunto de “mensagens sobre os riscos conhecidos, probabilidades de consequências negativas e como eles podem ser reduzidos através dos conhecimentos técnicos e crenças naturais” (Oliveira, 2014). A envolvência de todos, desde os peritos aos leigos, é fulcral no sucesso desta comunicação. Para o Committee on Risk Perception and Communication “as mensagens não são apenas transmitidas entre peritos e leigos, mas também entre si dentro dos mesmos subgrupos e entre leigos e peritos e, em especial, as mensagens acerca da participação política são transmitidas pelos cidadãos para os responsáveis pela tomada de decisão” (Committee on Risk Perception and Communication, 1989).

Para este sucesso ser efetivo, é importante que comunicação seja transparente, de fácil compreensão, que admita incertezas e que utilize diversos canais e plataformas. É importante referir a importância das redes sociais neste contexto. Através delas, pode apelar-se à participação do público, transmitindo informações e boas práticas e, não menos importante, verificar rumores e possíveis falsas informações que possam estar a circular.

A OMS refere também a Comunicação de Risco em Emergências como “uma intervenção executada não apenas durante, mas também antes (como parte das atividades de preparação) e depois (como apoio à recuperação) da fase de emergência, para permitir a todas as pessoas de risco tomarem decisões informadas para se protegerem a si próprias, às suas famílias e às suas comunidades contra as ameaças à sua sobrevivência, saúde e bem-estar”. Contudo, existem outros autores, como Gisela Oliveira, que encaram “a Comunicação do Risco como preventiva” (Oliveira, 2014) e que esta deverá existir antes da ocorrência do evento grave. Partindo da visão desta autora, a Comunicação de Risco deve estar centrada no esclarecimento das populações sobre os riscos e as possíveis consequências de um determinado evento e das respetivas medidas de autoproteção, contribuindo para a perceção do risco por parte de todos os envolvidos no processo, assim como para a assimilação de comportamentos para fazer face à situação em causa. A Comunicação de Risco deve ser parte integrante do processo de gestão do risco.

Esta autora fala-nos também que durante o evento em causa, existe aquilo a que chama do Risco da Comunicação, que mais não é do que o risco de a comunicação proferida agravar a situação e comprometer a resolução do evento. “O Risco da Comunicação ocorre num espaço-tempo específico, durante uma situação de emergência e pode agravar esta mesma situação ou originar uma outra. Nestes momentos específicos existe o risco de Comunicar” (Oliveira, 2014).

Na opinião desta autora, o conceito de Comunicação de Crise, surge após a fase da emergência. Durante a fase da emergência, existem danos pessoais, materiais, informações falsas, falhas nas comunicações, etc., e, após tudo isto, instala-se a crise, verificando-se a alteração da normalidade e do equilíbrio aos níveis social, económico, educacional e na saúde, podendo esta realidade durar bastante no tempo. Assim, durante este período é importante “transmitir mensagens de esperança, confiança. Assumir que a crise existe e saber transformá-la numa oportunidade de mudança, de construção ou algo melhor” (Oliveira, 2014). É, contudo, importante referir que a autora, apesar de mencionar estes três conceitos de comunicação (leia-se Comunicação de Risco, Risco da Comunicação e Comunicação de Crise), em fases distintas do Ciclo da Emergência, refere que “as divisões entre eles não estanques. Não se consegue definir com exatidão onde acaba um e começa outro” (Oliveira, 2014). O exemplo da pandemia que vivemos, é excelente para retratar a forma como estes conceitos se podem sobrepor e “conviver” nas diversas fases mencionadas. Ainda relativamente à Comunicação de Crise, Lúcio Meneses de Almeida, baseando-se na definição da Centers for Disease Control and Prevention (CDC) diz-nos que “a comunicação da crise aplica-se tipicamente a organizações que enfrentam um acontecimento inesperado com possíveis repercussões na sua reputação ou viabilidade e que, desta forma, têm necessidade em explicá-lo urgentemente” (Meneses de Almeida, 2007). Este autor coloca a Comunicação de Crise ainda durante a fase da emergência e acrescenta ainda o conceito de Comunicação do Risco em Situações de Crise e de Emergência. O autor, seguindo novamente as diretrizes da CDC, diz-nos que “a comunicação do risco em situações de crise e emergência integra a urgência da comunicação do desastre (ou da crise) com a necessidade de comunicar riscos e benefícios às partes interessadas, distinguindo-se da comunicação da crise pelo facto da participação do comunicador no acontecimento adverso se limitar a atuar como agente-perito da resolução da situação (postevent participant) e não como participante da crise” (Meneses de Almeida, 2007).