Quando no final de 2019 começaram a
surgir as primeiras notícias sobre um novo coronavírus que tinha sido detetado
num mercado na cidade chinesa de Wuham, nenhum de nós imaginou as implicações
que este vírus teria nas nossas vidas em 2020, quer do ponto de vista da saúde
pública, quer do ponto de vista económico. A 11 de Março de 2020, quando a
Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, oficialmente, este surto como uma
pandemia, já, praticamente, o mundo inteiro se debatia com esta situação, pondo
em marcha confinamentos generalizados das populações, naquela que se pode
considerar na maior crise à escala mundial desde o fim da Segunda Grande
Guerra.
Como é óbvio, Portugal não foi exceção.
Ainda antes da declaração do Estado de Emergência no nosso país a 18 de Março,
já o Governo, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e restantes entidades com
responsabilidades ao nível da saúde pública, diariamente, informavam os
portugueses acerca da evolução da pandemia em números, justificavam e
explicavam as medidas excecionais adotadas e, sobretudo, alertavam a população
para os comportamentos que cada um deveria (deve) adotar no dia-a-dia. Numa
primeira fase, com um apelo muito forte (e que a declaração do Estado de
Emergência reforçou) para que a população ficasse confinada em casa e reduzisse
as suas deslocações ao estritamente necessário, e, numa segunda fase, após o
fim do Estado de Emergência, para que a população voltasse à sua vida normal
(processo que decorreu por fases e que vai tendo previsíveis avanços e recuos),
adotando cuidados e precauções, de modo a que a evolução da pandemia continue,
por um lado, a decorrer de forma controlada, sem sobrecarregar o Serviço
Nacional de Saúde (SNS) e, por outro lado, para que os danos inevitáveis na
economia não sejam ainda maiores do que aqueles que todos já conhecemos e
experienciamos.
O que se pretende com este breve trabalho, é referir alguns conceitos relacionados com a Comunicação de Risco, dar enfase à importância do Plano de Comunicação de Risco e, dada à pertinência que a mesma tem no momento atual, abordar de forma breve a Comunicação de Risco em Saúde Pública. Com a elaboração deste texto, é também feito um convite a que cada um possa refletir sobre o processo comunicacional efetuado durante a pandemia, alargando essa mesma reflexão às entidades a que cada um de nós pertence ou acompanha de perto.
Comunicação de Risco, Risco
da Comunicação e Comunicação de Crise
Para comunicar são necessários quatro elementos:
- Uma fonte ou emissor;
- Uma mensagem;
- Um destinatário ou recetor;
- Um suporte para a mensagem que a permita levar ao recetor.
A comunicação que é efetuada do emissor para o recetor é de sentido único. Para que o emissor tenha a certeza de que a mensagem foi bem compreendida pelo recetor, é necessário que este responda à comunicação. É este feedback que fecha o sistema, tornando-o dinâmico e fazendo com que a comunicação tenha dois sentidos.
Lasswell resumiu o processo de comunicação em cinco questões:
- Quem comunica? (que fontes?);
- A quem? (quem são os alvos?);
- O quê? (que mensagem queríamos transmitir e qual foi realmente assimilada?);
- Como? (que canais de comunicação? Serão os mais eficazes?);
- Com que resultado? (os objetivos foram alcançados? O que é preciso fazer para a tornar mais eficaz?).
De forma sintética, os princípios para uma comunicação eficaz são os seguintes:
- Não querer dizer de mais. Quanto mais complexa a mensagem, maior a dificuldade em ser compreendida e retida;
- A repetição, a redundância, a continuidade e a duração são essenciais para a retenção da mensagem, mesmo que para isso se utilizem diferentes formas de o fazer;
- A coerência global das mensagens emitidas deve ser assegurada, de modo a que não existam informações divergentes ou contraditórias. É por esta razão importante que as organizações definam uma política global de comunicação;
- A obrigação da verdade. Talvez o mais importante princípio de uma boa comunicação. Se esta obrigação não for cumprida, toda a credibilidade do emissor cai por terra. Veicular informações erradas ou omitir informações importantes, pode fazer ruir toda a estratégia de comunicação implementada.
“No seu melhor, a comunicação de risco não é uma comunicação top-down do especialista para o leigo, mas sim um diálogo construtivo entre todos os que estão envolvidos num determinado debate acerca do risco” (Lofstedt, 2003)
Para este sucesso ser efetivo, é importante que comunicação seja transparente, de fácil compreensão, que admita incertezas e que utilize diversos canais e plataformas. É importante referir a importância das redes sociais neste contexto. Através delas, pode apelar-se à participação do público, transmitindo informações e boas práticas e, não menos importante, verificar rumores e possíveis falsas informações que possam estar a circular.
A OMS refere também a Comunicação de Risco em Emergências como “uma intervenção executada não apenas durante, mas também antes (como parte das atividades de preparação) e depois (como apoio à recuperação) da fase de emergência, para permitir a todas as pessoas de risco tomarem decisões informadas para se protegerem a si próprias, às suas famílias e às suas comunidades contra as ameaças à sua sobrevivência, saúde e bem-estar”. Contudo, existem outros autores, como Gisela Oliveira, que encaram “a Comunicação do Risco como preventiva” (Oliveira, 2014) e que esta deverá existir antes da ocorrência do evento grave. Partindo da visão desta autora, a Comunicação de Risco deve estar centrada no esclarecimento das populações sobre os riscos e as possíveis consequências de um determinado evento e das respetivas medidas de autoproteção, contribuindo para a perceção do risco por parte de todos os envolvidos no processo, assim como para a assimilação de comportamentos para fazer face à situação em causa. A Comunicação de Risco deve ser parte integrante do processo de gestão do risco.
Esta autora fala-nos também que durante o evento em causa, existe aquilo a que chama do Risco da Comunicação, que mais não é do que o risco de a comunicação proferida agravar a situação e comprometer a resolução do evento. “O Risco da Comunicação ocorre num espaço-tempo específico, durante uma situação de emergência e pode agravar esta mesma situação ou originar uma outra. Nestes momentos específicos existe o risco de Comunicar” (Oliveira, 2014).
Na
opinião desta autora, o conceito de Comunicação de Crise, surge após a
fase da emergência. Durante a fase da emergência, existem danos pessoais,
materiais, informações falsas, falhas nas comunicações, etc., e, após
tudo isto, instala-se a crise, verificando-se a alteração da normalidade e do
equilíbrio aos níveis social, económico, educacional e na saúde, podendo esta
realidade durar bastante no tempo. Assim, durante este período é importante
“transmitir mensagens de esperança, confiança. Assumir que a crise existe e
saber transformá-la numa oportunidade de mudança, de construção ou algo melhor”
(Oliveira, 2014). É, contudo, importante referir que a autora, apesar de
mencionar estes três conceitos de comunicação (leia-se Comunicação de Risco,
Risco da Comunicação e Comunicação de Crise), em fases distintas do Ciclo da
Emergência, refere que “as divisões entre eles não estanques. Não se consegue
definir com exatidão onde acaba um e começa outro” (Oliveira, 2014). O exemplo
da pandemia que vivemos, é excelente para retratar a forma como estes conceitos
se podem sobrepor e “conviver” nas diversas fases mencionadas. Ainda
relativamente à Comunicação de Crise, Lúcio Meneses de Almeida, baseando-se na
definição da Centers for Disease Control and Prevention (CDC) diz-nos que “a
comunicação da crise aplica-se tipicamente a organizações que enfrentam um
acontecimento inesperado com possíveis repercussões na sua reputação ou
viabilidade e que, desta forma, têm necessidade em explicá-lo urgentemente” (Meneses
de Almeida, 2007). Este autor coloca a Comunicação de Crise ainda durante a
fase da emergência e acrescenta ainda o conceito de Comunicação do Risco em
Situações de Crise e de Emergência. O autor, seguindo novamente as diretrizes
da CDC, diz-nos que “a comunicação do risco em situações de crise e emergência
integra a urgência da comunicação do desastre (ou da crise) com a necessidade
de comunicar riscos e benefícios às partes interessadas, distinguindo-se da
comunicação da crise pelo facto da participação do comunicador no acontecimento
adverso se limitar a atuar como agente-perito da resolução da situação
(postevent participant) e não como participante da crise” (Meneses de Almeida,
2007).