Nota Editorial

Este blog não se apresenta ligado a qualquer organização ou instituição relacionada, directa ou indirectamente, com a Protecção Civil e ao socorro. Não existe aqui qualquer intenção ou presunção de substituir os espaços oficiais das organizações que tutelam esta área ou de outras que com ela estejam relacionadas ou ligadas, quer do ponto de vista informativo, quer do ponto de vista técnico.
É um blog criado por um cidadão com interesse na área da Protecção Civil e que pretende, com o que neste espaço é publicado, dar a conhecer e, se possível, envolver outros cidadãos nas questões ligadas com as matérias da prevenção, mitigação, resposta e recuperação dos diversos tipos de emergências ou catástrofes.
Comunicar possíveis riscos e acções de resiliência é o principal objectivo deste espaço, sempre do ponto de vista de uma cidadania que se quer atenta e participativa.
A frase "todos somos Protecção Civil" é o lema deste espaço.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

COMUNICAÇÃO DE RISCO: ALGUNS CONCEITOS, A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE COMUNICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE PÚBLICA (2ª parte)

Nota: este texto por mim elaborado, foi publicado na edição de Setembro da newsletter do CEIPC (Centro de Estudos e Investigação em Proteção Civil). Esta é a 2ª parte do mesmo.

Importância do Plano de Comunicação de Risco 

Um plano permite que comportamentos possam ser interiorizados e para isso é importante que os mesmos sejam testados, revistos e devidamente percebidos por todos aqueles que irão seguir as suas diretrizes aquando da ocorrência de um dado evento. Para Gisela Oliveira, não existem regras pré-definidas para a elaboração de um plano. Contudo, existem três aspetos fundamentais na elaboração do plano: o conhecimento da comunidade, a indicação do local onde a população pode procurar as informações necessárias e o foco nos assuntos e técnicas do risco e não nas metas gerais do plano” (Oliveira, 2014). Sandra Cristina Moreira de Jesus, acrescenta que “nesta etapa as estratégias e as mensagens são alvo das adaptações e modificações necessárias consoante a própria evolução do processo da comunicação do risco. Os materiais e as mensagens podem ter de ser revistas, atualizadas e, até mesmo, difundidas em formatos diferentes daqueles que foram definidos anteriormente com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos pela equipa de trabalho envolvida no processo da comunicação do risco. Esta etapa pode impulsionar o surgimento de novas discussões e de questões que não foram previstas nas etapas anteriores” (Moreira de Jesus, 2013).

É importante referir que a Comunicação de Risco deve sempre partir do princípio de que o público deve ser informado com a verdade e que acontecimentos relevantes nunca deverão ser escondidos. Com todas as fontes de informação a que os cidadãos têm hoje acesso, certamente, esses acontecimentos irão ser descobertos, havendo o risco de os mesmos serem empolados e surgirem boatos ou rumores falsos. Além disto, a perda da credibilidade por parte de quem comunica, poderá ser um dano irreversível na estratégia de comunicação. Mesmo que existam poucos dados, é preferível que estes sejam divulgados do que os omitir. Caso não exista informação disponível sobre um dado acontecimento, é preferível dizer isso mesmo. A honestidade cria credibilidade. Para Gisela Oliveira, existem sete passos para gerir melhor uma situação de crise:

- Estar preparado, tendo um plano de comunicação e agindo de forma proactiva e não reativa;

- Ser o primeiro a falar, comunicando de imediato e de forma eficaz, evitando rumores e especulação;

- Ser transparente e honesto, não escondendo informação do público pois ela chegará à população de uma forma ou de outra;

- Ser consistente, fiel aos factos e comunicar, assim que possível, as boas e as más notícias. Deve ser identificado um porta-voz dentro da organização/entidade e este terá autoridade e o conhecimento para falar em nome da mesma;

- Não deixar de prestar declarações, mesmo que o pior já tenha passado. Devem ser retificadas as informações falsas e evitar que Comunicação Social procure informações em fontes menos fidedignas;

- Não esquecer as redes sociais, pois são uma fonte de veicular informação e que pode afetar de forma positiva ou negativa a imagem da instituição. Incluir no plano de comunicação uma equipa experiente para fazer a gestão e a atualização da informação nas redes sociais;

- Aproveitar a oportunidade que a crise possa eventualmente proporcionar, de modo a obter algo de positivo para a organização, nomeadamente, no campo da imagem e da credibilidade (Oliveira, 2014).

Comunicação de Risco em Saúde Pública 

Tal como já foi referido a OMS define Comunicação de Risco como a “troca de informações, aconselhamento e opiniões em tempo real entre peritos, líderes comunitários ou responsáveis e as pessoas em risco” (OMS, 2018). Para Lúcio Meneses de Almeida, “a comunicação do risco em Saúde Pública envolve o comunicador (médico de saúde pública, autoridades administrativas, policiais ou outras) e o público-alvo mais ou menos heterogéneo revestindo-se o processo de comunicação do risco em Saúde Pública duma maior complexidade e impacte potencial” (Meneses de Almeida, 2007). A OMS elaborou para o efeito um documento intitulado “Comunicação de Riscos em Emergências de Saúde Pública – Um guia da OMS para políticas e práticas em comunicação de risco de emergência” com diretrizes para todos os Estados-Membro da organização, parceiros e outras partes interessadas na preparação e resposta a emergências. Neste documento, a OMS deixa algumas recomendações para uma Comunicação de Risco eficaz:

- Uma delas é da conquista da confiança e a participação das populações afetadas;

- A segunda é da integração da Comunicação de Risco nos sistemas de saúde e de resposta às emergências;   

- A terceira está relacionada com a prática da Comunicação de Risco e sobre a melhor forma da mesma ser feita, tendo em conta os avanços dos media e as grandes transformações sociais e demográficas. Nesta recomendação é também dado enfoque à importância de um planeamento atempado e continuo, focado na preparação e na resposta (OMS, 2018).

Como podemos agora testemunhar in loco, os surtos são acontecimentos que se caracterizam pela imprevisibilidade e inevitabilidade, gerando confusão, incerteza e sentido de urgência. São geradores de elevada carga mediática, proporcionam a difusão de falsa informação e sobrestimação do risco (Meneses de Almeida, 2007). É de realçar que todos estes aspetos têm ficado bem à vista na atual pandemia de Covid-19. Segundo Lúcio Meneses de Almeida, a Comunicação do Risco em cenário de surto, tem os seguintes objetivos:

- Construir, manter ou restaurar a confiança;

- Melhorar o conhecimento e a compreensão;

- Orientar e promover atitudes e comportamentos corretos;

- Promover a colaboração e a cooperação entre parceiros, público e restantes stakeholders (Meneses de Almeida, 2007).

Todos nós temos experienciado muito do que aqui está mencionado durante a pandemia de Covid-19. Quer na complexidade da Comunicação de Risco em saúde pública, nomeadamente, quando falamos de uma doença onde o conhecimento científico era bastante reduzido no início da mesma (tendo ainda, passados alguns meses, muito para se conhecer), quer pela dimensão global da pandemia e o mediatismo que toda a informação que é apresentada ganha imediatamente. Nomeadamente, a que se refere a cuidados de autoproteção ou a dados sobre o número de contaminados e óbitos. Ao longo destes meses, muita informação falsa teve de ser desmentida (muita dela, veiculada por dirigentes políticos), naquela que é a primeira pandemia verdadeiramente global a decorrer na era das redes sociais e num mundo altamente digitalizado.

Conclusões 

A pandemia que estamos a atravessar veio, uma vez mais, dar enfoque à importância da Comunicação de Risco e de todos os conceitos que lhe estão associados. Se é habitual vermos este tipo de comunicação a ser posta prática, nomeadamente, aquando da ocorrência de incêndios florestais ou situações meteorológicas adversas, este ano, tivemos a novidade de a poder observar devido a uma questão de saúde pública. A Comunicação de Risco relacionada com a pandemia de Covid-19, surge diariamente, de forma global e com um mediatismo nunca visto, que é potenciado por uma sociedade altamente globalizada e digital.

De forma genérica, uma comunicação eficaz deve criar mensagens simples e de fácil assimilação, devendo utilizar para este efeito diversas plataformas de comunicação. As mensagens devem ser coerentes e devem partir sempre do princípio da obrigação da transmissão da verdade dos factos.

A Comunicação de Risco é a troca de informações entre diversos stakeholders (peritos, responsáveis políticos, líderes comunitários e população), devendo todos eles estarem envolvido no processo. A Comunicação de Risco deve fazer parte integrante de qualquer resposta de emergência. Apesar das diversas visões por parte de alguns autores e organizações, podemos concluir que a Comunicação de Risco envolve todas as fases do Ciclo de Emergência, não estando estanque em nenhuma delas.

A importância das redes sociais para o sucesso da Comunicação de Risco é, nos dias que correm, fulcral. Através destas, apela-se à participação do público, transmite-se informações (se necessário for, em tempo real) e boas práticas. É, igualmente, importante o acompanhamento das redes sociais de modo a evitar rumores e falsas informações.

Associados à Comunicação de Risco, existem outros conceitos como o Risco da Comunicação e a Comunicação de Crise. O Risco da Comunicação ocorre quando a própria comunicação proferida, acaba por agravar a emergência ou até originar outra. A Comunicação de Crise, segundo alguns autores, situa-se após a fase da emergência, quando a normalidade ainda não foi reposta e é necessário transmitir mensagens de confiança e de esperança, assumindo, contudo, que a crise existe e há que ultrapassá-la. Outros autores e organizações, colocam a Comunicação de Crise ainda na fase da emergência. A definição mais comum e aceite para este tipo de comunicação, coloca-a como a comunicação que se aplica quando as organizações enfrentam um acontecimento inesperado e que pode colocar em causa a sua reputação e credibilidade. A Comunicação de Crise servirá para explicar e justificar esse acontecimento, tentando repor a confiança e a credibilidade da organização.

O Plano de Comunicação de Risco é um instrumento deveras importante, pois permite que aqueles que o vão colocar em prática interiorizem comportamentos e procedimentos. O plano só será bem-sucedido se for testado, revisto e devidamente interiorizado por todos aqueles que o vão utilizar aquando do momento da emergência. É importante que o plano contemple o conhecimento da comunidade a que se dirige, que tenha indicação sobre os locais onde a população poderá obter informação oficial e credível e que tenha o foco no risco propriamente dito e não nas metas gerais do plano.

O processo de Comunicação de Risco em Saúde Pública, nomeadamente, em tempo de pandemia, serve, essencialmente, para restaurar e manter a confiança da população, melhorando o seu nível de conhecimento e compreensão sobre o risco. Para este efeito, deve transmitir atitudes e comportamentos de autoproteção corretos e promover a colaboração entre todas as partes interessadas, desde especialistas, responsáveis políticos e a população em geral.

A Comunicação de Risco, seja em que circunstância for, deve sempre partir do princípio da verdade na informação transmitida, não escondendo nenhum facto relevante. Só desta forma será possível estabelecer um sentimento de credibilidade junto daqueles a quem a comunicação se dirige.

“Sociedades onde existe uma ausência de informação no desenvolvimento do risco, práticas de preparação e prevenção, normas legais e regras ou informação aos cidadãos, têm revelado um aumento de vulnerabilidade aos efeitos de desastres” (Palenchar, 2008)


Link para a primeira parte do texto: COMUNICAÇÃO DE RISCO: ALGUNS CONCEITOS, A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE COMUNICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE PÚBLICA (2ª parte)