Nota Editorial

Este blog não se apresenta ligado a qualquer organização ou instituição relacionada, directa ou indirectamente, com a Protecção Civil e ao socorro. Não existe aqui qualquer intenção ou presunção de substituir os espaços oficiais das organizações que tutelam esta área ou de outras que com ela estejam relacionadas ou ligadas, quer do ponto de vista informativo, quer do ponto de vista técnico.
É um blog criado por um cidadão com interesse na área da Protecção Civil e que pretende, com o que neste espaço é publicado, dar a conhecer e, se possível, envolver outros cidadãos nas questões ligadas com as matérias da prevenção, mitigação, resposta e recuperação dos diversos tipos de emergências ou catástrofes.
Comunicar possíveis riscos e acções de resiliência é o principal objectivo deste espaço, sempre do ponto de vista de uma cidadania que se quer atenta e participativa.
A frase "todos somos Protecção Civil" é o lema deste espaço.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

COMUNICAÇÃO DE RISCO: ALGUNS CONCEITOS, A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE COMUNICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE PÚBLICA (2ª parte)

Nota: este texto por mim elaborado, foi publicado na edição de Setembro da newsletter do CEIPC (Centro de Estudos e Investigação em Proteção Civil). Esta é a 2ª parte do mesmo.

Importância do Plano de Comunicação de Risco 

Um plano permite que comportamentos possam ser interiorizados e para isso é importante que os mesmos sejam testados, revistos e devidamente percebidos por todos aqueles que irão seguir as suas diretrizes aquando da ocorrência de um dado evento. Para Gisela Oliveira, não existem regras pré-definidas para a elaboração de um plano. Contudo, existem três aspetos fundamentais na elaboração do plano: o conhecimento da comunidade, a indicação do local onde a população pode procurar as informações necessárias e o foco nos assuntos e técnicas do risco e não nas metas gerais do plano” (Oliveira, 2014). Sandra Cristina Moreira de Jesus, acrescenta que “nesta etapa as estratégias e as mensagens são alvo das adaptações e modificações necessárias consoante a própria evolução do processo da comunicação do risco. Os materiais e as mensagens podem ter de ser revistas, atualizadas e, até mesmo, difundidas em formatos diferentes daqueles que foram definidos anteriormente com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos pela equipa de trabalho envolvida no processo da comunicação do risco. Esta etapa pode impulsionar o surgimento de novas discussões e de questões que não foram previstas nas etapas anteriores” (Moreira de Jesus, 2013).

É importante referir que a Comunicação de Risco deve sempre partir do princípio de que o público deve ser informado com a verdade e que acontecimentos relevantes nunca deverão ser escondidos. Com todas as fontes de informação a que os cidadãos têm hoje acesso, certamente, esses acontecimentos irão ser descobertos, havendo o risco de os mesmos serem empolados e surgirem boatos ou rumores falsos. Além disto, a perda da credibilidade por parte de quem comunica, poderá ser um dano irreversível na estratégia de comunicação. Mesmo que existam poucos dados, é preferível que estes sejam divulgados do que os omitir. Caso não exista informação disponível sobre um dado acontecimento, é preferível dizer isso mesmo. A honestidade cria credibilidade. Para Gisela Oliveira, existem sete passos para gerir melhor uma situação de crise:

- Estar preparado, tendo um plano de comunicação e agindo de forma proactiva e não reativa;

- Ser o primeiro a falar, comunicando de imediato e de forma eficaz, evitando rumores e especulação;

- Ser transparente e honesto, não escondendo informação do público pois ela chegará à população de uma forma ou de outra;

- Ser consistente, fiel aos factos e comunicar, assim que possível, as boas e as más notícias. Deve ser identificado um porta-voz dentro da organização/entidade e este terá autoridade e o conhecimento para falar em nome da mesma;

- Não deixar de prestar declarações, mesmo que o pior já tenha passado. Devem ser retificadas as informações falsas e evitar que Comunicação Social procure informações em fontes menos fidedignas;

- Não esquecer as redes sociais, pois são uma fonte de veicular informação e que pode afetar de forma positiva ou negativa a imagem da instituição. Incluir no plano de comunicação uma equipa experiente para fazer a gestão e a atualização da informação nas redes sociais;

- Aproveitar a oportunidade que a crise possa eventualmente proporcionar, de modo a obter algo de positivo para a organização, nomeadamente, no campo da imagem e da credibilidade (Oliveira, 2014).

Comunicação de Risco em Saúde Pública 

Tal como já foi referido a OMS define Comunicação de Risco como a “troca de informações, aconselhamento e opiniões em tempo real entre peritos, líderes comunitários ou responsáveis e as pessoas em risco” (OMS, 2018). Para Lúcio Meneses de Almeida, “a comunicação do risco em Saúde Pública envolve o comunicador (médico de saúde pública, autoridades administrativas, policiais ou outras) e o público-alvo mais ou menos heterogéneo revestindo-se o processo de comunicação do risco em Saúde Pública duma maior complexidade e impacte potencial” (Meneses de Almeida, 2007). A OMS elaborou para o efeito um documento intitulado “Comunicação de Riscos em Emergências de Saúde Pública – Um guia da OMS para políticas e práticas em comunicação de risco de emergência” com diretrizes para todos os Estados-Membro da organização, parceiros e outras partes interessadas na preparação e resposta a emergências. Neste documento, a OMS deixa algumas recomendações para uma Comunicação de Risco eficaz:

- Uma delas é da conquista da confiança e a participação das populações afetadas;

- A segunda é da integração da Comunicação de Risco nos sistemas de saúde e de resposta às emergências;   

- A terceira está relacionada com a prática da Comunicação de Risco e sobre a melhor forma da mesma ser feita, tendo em conta os avanços dos media e as grandes transformações sociais e demográficas. Nesta recomendação é também dado enfoque à importância de um planeamento atempado e continuo, focado na preparação e na resposta (OMS, 2018).

Como podemos agora testemunhar in loco, os surtos são acontecimentos que se caracterizam pela imprevisibilidade e inevitabilidade, gerando confusão, incerteza e sentido de urgência. São geradores de elevada carga mediática, proporcionam a difusão de falsa informação e sobrestimação do risco (Meneses de Almeida, 2007). É de realçar que todos estes aspetos têm ficado bem à vista na atual pandemia de Covid-19. Segundo Lúcio Meneses de Almeida, a Comunicação do Risco em cenário de surto, tem os seguintes objetivos:

- Construir, manter ou restaurar a confiança;

- Melhorar o conhecimento e a compreensão;

- Orientar e promover atitudes e comportamentos corretos;

- Promover a colaboração e a cooperação entre parceiros, público e restantes stakeholders (Meneses de Almeida, 2007).

Todos nós temos experienciado muito do que aqui está mencionado durante a pandemia de Covid-19. Quer na complexidade da Comunicação de Risco em saúde pública, nomeadamente, quando falamos de uma doença onde o conhecimento científico era bastante reduzido no início da mesma (tendo ainda, passados alguns meses, muito para se conhecer), quer pela dimensão global da pandemia e o mediatismo que toda a informação que é apresentada ganha imediatamente. Nomeadamente, a que se refere a cuidados de autoproteção ou a dados sobre o número de contaminados e óbitos. Ao longo destes meses, muita informação falsa teve de ser desmentida (muita dela, veiculada por dirigentes políticos), naquela que é a primeira pandemia verdadeiramente global a decorrer na era das redes sociais e num mundo altamente digitalizado.

Conclusões 

A pandemia que estamos a atravessar veio, uma vez mais, dar enfoque à importância da Comunicação de Risco e de todos os conceitos que lhe estão associados. Se é habitual vermos este tipo de comunicação a ser posta prática, nomeadamente, aquando da ocorrência de incêndios florestais ou situações meteorológicas adversas, este ano, tivemos a novidade de a poder observar devido a uma questão de saúde pública. A Comunicação de Risco relacionada com a pandemia de Covid-19, surge diariamente, de forma global e com um mediatismo nunca visto, que é potenciado por uma sociedade altamente globalizada e digital.

De forma genérica, uma comunicação eficaz deve criar mensagens simples e de fácil assimilação, devendo utilizar para este efeito diversas plataformas de comunicação. As mensagens devem ser coerentes e devem partir sempre do princípio da obrigação da transmissão da verdade dos factos.

A Comunicação de Risco é a troca de informações entre diversos stakeholders (peritos, responsáveis políticos, líderes comunitários e população), devendo todos eles estarem envolvido no processo. A Comunicação de Risco deve fazer parte integrante de qualquer resposta de emergência. Apesar das diversas visões por parte de alguns autores e organizações, podemos concluir que a Comunicação de Risco envolve todas as fases do Ciclo de Emergência, não estando estanque em nenhuma delas.

A importância das redes sociais para o sucesso da Comunicação de Risco é, nos dias que correm, fulcral. Através destas, apela-se à participação do público, transmite-se informações (se necessário for, em tempo real) e boas práticas. É, igualmente, importante o acompanhamento das redes sociais de modo a evitar rumores e falsas informações.

Associados à Comunicação de Risco, existem outros conceitos como o Risco da Comunicação e a Comunicação de Crise. O Risco da Comunicação ocorre quando a própria comunicação proferida, acaba por agravar a emergência ou até originar outra. A Comunicação de Crise, segundo alguns autores, situa-se após a fase da emergência, quando a normalidade ainda não foi reposta e é necessário transmitir mensagens de confiança e de esperança, assumindo, contudo, que a crise existe e há que ultrapassá-la. Outros autores e organizações, colocam a Comunicação de Crise ainda na fase da emergência. A definição mais comum e aceite para este tipo de comunicação, coloca-a como a comunicação que se aplica quando as organizações enfrentam um acontecimento inesperado e que pode colocar em causa a sua reputação e credibilidade. A Comunicação de Crise servirá para explicar e justificar esse acontecimento, tentando repor a confiança e a credibilidade da organização.

O Plano de Comunicação de Risco é um instrumento deveras importante, pois permite que aqueles que o vão colocar em prática interiorizem comportamentos e procedimentos. O plano só será bem-sucedido se for testado, revisto e devidamente interiorizado por todos aqueles que o vão utilizar aquando do momento da emergência. É importante que o plano contemple o conhecimento da comunidade a que se dirige, que tenha indicação sobre os locais onde a população poderá obter informação oficial e credível e que tenha o foco no risco propriamente dito e não nas metas gerais do plano.

O processo de Comunicação de Risco em Saúde Pública, nomeadamente, em tempo de pandemia, serve, essencialmente, para restaurar e manter a confiança da população, melhorando o seu nível de conhecimento e compreensão sobre o risco. Para este efeito, deve transmitir atitudes e comportamentos de autoproteção corretos e promover a colaboração entre todas as partes interessadas, desde especialistas, responsáveis políticos e a população em geral.

A Comunicação de Risco, seja em que circunstância for, deve sempre partir do princípio da verdade na informação transmitida, não escondendo nenhum facto relevante. Só desta forma será possível estabelecer um sentimento de credibilidade junto daqueles a quem a comunicação se dirige.

“Sociedades onde existe uma ausência de informação no desenvolvimento do risco, práticas de preparação e prevenção, normas legais e regras ou informação aos cidadãos, têm revelado um aumento de vulnerabilidade aos efeitos de desastres” (Palenchar, 2008)


Link para a primeira parte do texto: COMUNICAÇÃO DE RISCO: ALGUNS CONCEITOS, A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE COMUNICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE PÚBLICA (2ª parte)

 

domingo, 25 de outubro de 2020

COMUNICAÇÃO DE RISCO: ALGUNS CONCEITOS, A IMPORTÂNCIA DO PLANO DE COMUNICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO DE RISCO EM SAÚDE PÚBLICA (1ª parte)

Nota: este texto por mim elaborado, foi publicado na edição de Setembro da newsletter do CEIPC (Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil). Esta é a primeira parte do mesmo.

Quando no final de 2019 começaram a surgir as primeiras notícias sobre um novo coronavírus que tinha sido detetado num mercado na cidade chinesa de Wuham, nenhum de nós imaginou as implicações que este vírus teria nas nossas vidas em 2020, quer do ponto de vista da saúde pública, quer do ponto de vista económico. A 11 de Março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou, oficialmente, este surto como uma pandemia, já, praticamente, o mundo inteiro se debatia com esta situação, pondo em marcha confinamentos generalizados das populações, naquela que se pode considerar na maior crise à escala mundial desde o fim da Segunda Grande Guerra.

Como é óbvio, Portugal não foi exceção. Ainda antes da declaração do Estado de Emergência no nosso país a 18 de Março, já o Governo, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e restantes entidades com responsabilidades ao nível da saúde pública, diariamente, informavam os portugueses acerca da evolução da pandemia em números, justificavam e explicavam as medidas excecionais adotadas e, sobretudo, alertavam a população para os comportamentos que cada um deveria (deve) adotar no dia-a-dia. Numa primeira fase, com um apelo muito forte (e que a declaração do Estado de Emergência reforçou) para que a população ficasse confinada em casa e reduzisse as suas deslocações ao estritamente necessário, e, numa segunda fase, após o fim do Estado de Emergência, para que a população voltasse à sua vida normal (processo que decorreu por fases e que vai tendo previsíveis avanços e recuos), adotando cuidados e precauções, de modo a que a evolução da pandemia continue, por um lado, a decorrer de forma controlada, sem sobrecarregar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e, por outro lado, para que os danos inevitáveis na economia não sejam ainda maiores do que aqueles que todos já conhecemos e experienciamos.

O que se pretende com este breve trabalho, é referir alguns conceitos relacionados com a Comunicação de Risco, dar enfase à importância do Plano de Comunicação de Risco e, dada à pertinência que a mesma tem no momento atual, abordar de forma breve a Comunicação de Risco em Saúde Pública. Com a elaboração deste texto, é também feito um convite a que cada um possa refletir sobre o processo comunicacional efetuado durante a pandemia, alargando essa mesma reflexão às entidades a que cada um de nós pertence ou acompanha de perto.

 Comunicação de Risco, Risco da Comunicação e Comunicação de Crise

“Comunicar é tornar comum uma informação, uma ideia ou uma atitude” (Lindon et al., 2008)

Para comunicar são necessários quatro elementos:
- Uma fonte ou emissor;
- Uma mensagem;
- Um destinatário ou recetor;
- Um suporte para a mensagem que a permita levar ao recetor.

A comunicação que é efetuada do emissor para o recetor é de sentido único. Para que o emissor tenha a certeza de que a mensagem foi bem compreendida pelo recetor, é necessário que este responda à comunicação. É este feedback que fecha o sistema, tornando-o dinâmico e fazendo com que a comunicação tenha dois sentidos.

Lasswell resumiu o processo de comunicação em cinco questões:
- Quem comunica? (que fontes?);
- A quem? (quem são os alvos?);
- O quê? (que mensagem queríamos transmitir e qual foi realmente assimilada?);
- Como? (que canais de comunicação? Serão os mais eficazes?);
- Com que resultado? (os objetivos foram alcançados? O que é preciso fazer para a tornar mais eficaz?).

De forma sintética, os princípios para uma comunicação eficaz são os seguintes:
- Não querer dizer de mais. Quanto mais complexa a mensagem, maior a dificuldade em ser compreendida e retida;
- A repetição, a redundância, a continuidade e a duração são essenciais para a retenção da mensagem, mesmo que para isso se utilizem diferentes formas de o fazer;
- A coerência global das mensagens emitidas deve ser assegurada, de modo a que não existam informações divergentes ou contraditórias. É por esta razão importante que as organizações definam uma política global de comunicação;
- A obrigação da verdade. Talvez o mais importante princípio de uma boa comunicação. Se esta obrigação não for cumprida, toda a credibilidade do emissor cai por terra. Veicular informações erradas ou omitir informações importantes, pode fazer ruir toda a estratégia de comunicação implementada.

“No seu melhor, a comunicação de risco não é uma comunicação top-down do especialista para o leigo, mas sim um diálogo construtivo entre todos os que estão envolvidos num determinado debate acerca do risco” (Lofstedt, 2003)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a Comunicação de Risco como “troca de informações, aconselhamento e opiniões em tempo real entre peritos, líderes comunitários ou responsáveis e as pessoas em risco” (OMS, 2018). Diz-nos também que esta é parte integrante de qualquer resposta de emergência e que todos os grupos interessados devem ser envolvidos neste processo, incluindo os não peritos. Para Gisela Oliveira, a Comunicação de Risco é um conjunto de “mensagens sobre os riscos conhecidos, probabilidades de consequências negativas e como eles podem ser reduzidos através dos conhecimentos técnicos e crenças naturais” (Oliveira, 2014). A envolvência de todos, desde os peritos aos leigos, é fulcral no sucesso desta comunicação. Para o Committee on Risk Perception and Communication “as mensagens não são apenas transmitidas entre peritos e leigos, mas também entre si dentro dos mesmos subgrupos e entre leigos e peritos e, em especial, as mensagens acerca da participação política são transmitidas pelos cidadãos para os responsáveis pela tomada de decisão” (Committee on Risk Perception and Communication, 1989).

Para este sucesso ser efetivo, é importante que comunicação seja transparente, de fácil compreensão, que admita incertezas e que utilize diversos canais e plataformas. É importante referir a importância das redes sociais neste contexto. Através delas, pode apelar-se à participação do público, transmitindo informações e boas práticas e, não menos importante, verificar rumores e possíveis falsas informações que possam estar a circular.

A OMS refere também a Comunicação de Risco em Emergências como “uma intervenção executada não apenas durante, mas também antes (como parte das atividades de preparação) e depois (como apoio à recuperação) da fase de emergência, para permitir a todas as pessoas de risco tomarem decisões informadas para se protegerem a si próprias, às suas famílias e às suas comunidades contra as ameaças à sua sobrevivência, saúde e bem-estar”. Contudo, existem outros autores, como Gisela Oliveira, que encaram “a Comunicação do Risco como preventiva” (Oliveira, 2014) e que esta deverá existir antes da ocorrência do evento grave. Partindo da visão desta autora, a Comunicação de Risco deve estar centrada no esclarecimento das populações sobre os riscos e as possíveis consequências de um determinado evento e das respetivas medidas de autoproteção, contribuindo para a perceção do risco por parte de todos os envolvidos no processo, assim como para a assimilação de comportamentos para fazer face à situação em causa. A Comunicação de Risco deve ser parte integrante do processo de gestão do risco.

Esta autora fala-nos também que durante o evento em causa, existe aquilo a que chama do Risco da Comunicação, que mais não é do que o risco de a comunicação proferida agravar a situação e comprometer a resolução do evento. “O Risco da Comunicação ocorre num espaço-tempo específico, durante uma situação de emergência e pode agravar esta mesma situação ou originar uma outra. Nestes momentos específicos existe o risco de Comunicar” (Oliveira, 2014).

Na opinião desta autora, o conceito de Comunicação de Crise, surge após a fase da emergência. Durante a fase da emergência, existem danos pessoais, materiais, informações falsas, falhas nas comunicações, etc., e, após tudo isto, instala-se a crise, verificando-se a alteração da normalidade e do equilíbrio aos níveis social, económico, educacional e na saúde, podendo esta realidade durar bastante no tempo. Assim, durante este período é importante “transmitir mensagens de esperança, confiança. Assumir que a crise existe e saber transformá-la numa oportunidade de mudança, de construção ou algo melhor” (Oliveira, 2014). É, contudo, importante referir que a autora, apesar de mencionar estes três conceitos de comunicação (leia-se Comunicação de Risco, Risco da Comunicação e Comunicação de Crise), em fases distintas do Ciclo da Emergência, refere que “as divisões entre eles não estanques. Não se consegue definir com exatidão onde acaba um e começa outro” (Oliveira, 2014). O exemplo da pandemia que vivemos, é excelente para retratar a forma como estes conceitos se podem sobrepor e “conviver” nas diversas fases mencionadas. Ainda relativamente à Comunicação de Crise, Lúcio Meneses de Almeida, baseando-se na definição da Centers for Disease Control and Prevention (CDC) diz-nos que “a comunicação da crise aplica-se tipicamente a organizações que enfrentam um acontecimento inesperado com possíveis repercussões na sua reputação ou viabilidade e que, desta forma, têm necessidade em explicá-lo urgentemente” (Meneses de Almeida, 2007). Este autor coloca a Comunicação de Crise ainda durante a fase da emergência e acrescenta ainda o conceito de Comunicação do Risco em Situações de Crise e de Emergência. O autor, seguindo novamente as diretrizes da CDC, diz-nos que “a comunicação do risco em situações de crise e emergência integra a urgência da comunicação do desastre (ou da crise) com a necessidade de comunicar riscos e benefícios às partes interessadas, distinguindo-se da comunicação da crise pelo facto da participação do comunicador no acontecimento adverso se limitar a atuar como agente-perito da resolução da situação (postevent participant) e não como participante da crise” (Meneses de Almeida, 2007). 

terça-feira, 24 de julho de 2018

Discursos de 1986 e 2017 e como pouco mudou...


Acabei, por estes dias, a leitura do livro "Cercados Pelo Fogo em Águeda", da autoria do Prof. Xavier Viegas, que relata e analisa o acidente que vitimou treze bombeiros e três civis, em Junho de 1986, num incêndio florestal em plena Serra do Caramulo. Recorde-se que este acidente foi antecedido, um ano antes, por um outro que vitimou catorze bombeiros num incêndio florestal, em Armamar, que também foi alvo da investigação do mesmo autor e que resultou na publicação do livro "Cercados Pelo Fogo em Armamar".

O Prof. Xavier Viegas decidiu, no final do livro, colocar como anexos as intervenções dos deputados na Assembleia da República, na sequência do acidente. É curioso verificar que, trinta e um anos passados, estes discursos bem que poderiam ter sido retirados dos discursos efectuados no ano passado aquando dos trágicos acontecimentos de Pedrogão e de Outubro.

Questões, mais ou menos, pertinentes ou outras com real ou duvidoso impacto, tais como, o ordenamento do território e da floresta em particular; a expansão da monocultura do eucalipto; o abandono do interior; a falta de gestão de combustíveis junto das casas e aglomerados populacionais; a "famosa" questão do "fogo posto"; ou a falta de aposta na prevenção, foram à época referidas pelos diversos grupos parlamentares. O curioso é que, ao lermos a transcrição destas intervenções, é como se estivéssemos a ler as transcrições das intervenções dos deputados em 2017 que, infelizmente, foram em dose dupla e com um rasto de tragédia bem maior.

A triste conclusão que se pode retirar, é simples: em trinta anos, o que se fez para melhorar foi pouco. Pior: com as alterações climáticas e o abandono a que uma parte significativa das nossas florestas foram sujeitas, criou-se uma situação ainda mais insustentável do que na década de 80 e com as dramáticas consequências que presenciámos o ano passado. Resta formular um desejo: que, daqui a uns anos, quando forem publicadas outras obras sobre os tristes acontecimentos de 2017, que os discursos dos políticos nessa altura não se voltem a confundir com discursos do passado. Parecendo um pormenor, já seria sinal que algo tinha, verdadeiramente, mudado para melhor.

Ps: Infelizmente, à data que este texto é publicado, outra tragédia relacionada com incêndios florestais acontece. Desta vez, foi na Grécia. Sinal que o problema é global, que as alterações climáticas são uma realidade e que estas induzem a incêndios florestais em que o fogo tem um comportamento, verdadeiramente, explosivo e que quando exposto a florestas e a interfaces urbano-florestais sem o mínimo de ordenamento e tratamento, desencadeia verdadeiras tragédias como a que os gregos estão a viver.   

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Mudar pessoas ou mudar o sistema?

Sempre que se discute Protecção Civil em Portugal, essa discussão decorre, normalmente, de uma campanha de combate a incêndios florestais difícil. Não querendo ir mais atrás, foi assim em 2003, 2005, 2013, 2016 e está a ser, mais do que nunca por motivos tristes e óbvios, 2017. Por este mesmo facto, a entidade responsável por esta área em Portugal , a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), seja particularmente falada e até formatada para este tipo de ocorrência. Desde o seu início que assim é.

Ora, um Sistema de Protecção Civil capaz e eficaz, tem de ter, obviamente, uma abrangência de preocupações muito para além daquelas que decorrem dos incêndios florestais. Quer o sistema, quer a entidade que o gere e o orienta, devem nas diversas fases do Ciclo da Gestão de Emergência focar-se numa série de possíveis ocorrências, sejam elas de origem natural ou tecnológica.

Tendo em conta que a ANPC sempre teve o seu foco e atenção mediática no período de incêndios florestais , os Comandantes, os Segundos Comandantes e Adjuntos que lhe estão afectos, quer a nível nacional como a nível distrital, são avaliados (nomeadamente no plano mediático), quase exclusivamente, pelo seu desempenho nesta mesma época. Fará sentido isto acontecer? Fará sentido que estes responsáveis operacionais possam ser especialistas em tantas áreas, tendo em conta que podem estar a comandar operações em ocorrências de origem diversa? E, por outro lado, é normal que sejam avaliados somente pelo seu desempenho numa delas? Na minha opinião, a resposta a todas estas questões é não. Ninguém é especialista em combate a incêndios florestais num dia e, no dia seguinte, é especialista numa operação de resgate de vitimas de um sismo, por exemplo. E é por isto e não só, que a ANPC no que à fase da Resposta diz respeito, deveria ter, acima de tudo uma função de coordenação e nunca de comando. A ANPC só deveria "entrar em campo" na fase da Resposta, quando uma operação de socorro pela sua complexidade e dimensão passa a ser uma operação de Protecção Civil. Por exemplo, um Grande Incêndio Florestal (GIF), quer pelos diversos agentes presentes no Teatro de Operações, quer pela possível necessidade de deslocamento de populações, quer pela necessidade de corte de estradas ou quer pela logística necessária ao desenrolar da operação, entre outros, é em si uma operação de Protecção Civil. E aqui sim, a ANPC deve ter um papel importante não como comando, mas sim como coordenador. No comando de operações de um GIF devem estar elementos com conhecimentos específicos (daí serem especialistas...) em incêndios florestais. Com conhecimentos para avaliar a possível evolução do incêndio, com capacidade de utilizar a informação meteorológica disponível, entre outras questões. Sendo coadjuvados por pessoas com igual conhecimento e que conheçam, efectivamente, o terreno onde o incêndio evolui e as características do mesmo.

Este exemplo de um GIF comandado por especialistas, serviria para outra qualquer ocorrência de natureza mais complexa. Faz sentido um Comandante da ANPC assumir o comando de uma dada operação tendo muitas vezes menos conhecimento e experiência que o anterior Comandante das Operações de Socorro? Penso que a resposta é óbvia.

Por isso e nestes dias em que se discutem nomes (em alguns casos, com todo o sentido), talvez fosse positivo ir mais além e discutir o próprio sistema. Se quiserem, os dois sistemas: o Sistema Nacional de Protecção Civil e o Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Quando iniciei este texto, o Domingo negro de 15 de Outubro ainda não tinha acontecido mas quando o acabei já tinha conhecimento que, pelo menos, mais 41 portugueses tinham falecido devido aos diversos incêndios florestais ocorridos nesse fatídico dia. Nesse mesmo Domingo, ao largo da nossa costa passou o furacão mais intenso registado no lado Este do Atlântico e que, apesar de ter estado longe de nós, acabou por ter influência na tragédia que se desenvolveu. Se juntarmos à equação a tragédia de Pedrogão e a forma como ela se desenvolveu, o longo período de seca que estamos a viver neste momento, o risco sísmico que grande parte do país tem e as alterações climáticas que são por demais evidentes, temos provas e sinais mais do que suficientes que o nosso Sistema de Protecção Civil irá ser muito mais vezes colocado à prova no futuro e de forma cada vez mais dura.


terça-feira, 20 de junho de 2017

Será 17 de Junho o Dia 0 ?

"Não há rigorosamente nada de novo a dizer. Já tudo foi estudado, explicado e escrito na última década e meia. Houve comissões para todos os gostos e feitios. E foi feito muito trabalho sério. Faltou tudo o resto. Faltou pôr a tratar de incêndios florestais quem percebe de floresta. Faltou integrar prevenção e combate. Faltou ordenamento. faltou pensar no longo prazo. E adiou-se o mesmo de sempre: fazer da floresta uma prioridade, fazer de um terço do território nacional uma prioridade."
Ana Fernandes, Público, 19 de Junho de 2017.

São 20h00 de 20 de Junho de 2017. A esta hora os fogos de Pedrogão Grande e de Góis continuam activos. Um autêntico exército de bombeiros portugueses, espanhóis e outras entidades continuam empenhadas no combate. Há três horas atrás surgiu a notícia, amplamente confirmada por todos os órgãos de comunicação social, que um avião Canadair tinha caído no combate ao incêndio de Pedrogão. Ao que parece, pessoas ligadas às entidades oficiais confirmaram esta informação em conversas com jornalistas. Estranhamente, duas horas depois essa informação é desmentida (???). Ainda bem.

Ontem no Prós e Contras houve mais um debate sobre incêndios florestais. Não sei há quantos anos existe este programa mas este tema deve ser certamente dos mais debatidos ao longo de todos estes anos. Não querendo recuar para os anos 80 e 90, as semelhanças entre o debate de ontem e os debates ocorridos em 2003 não são pura coincidência. Como não são pura coincidência as semelhanças com os debates que aconteceram em 2005, 2013 e 2016 (isto para resumir a coisa). As receitas, os diagnósticos, as justificações e as acusações são as mesmas de sempre. Quase que é possível adivinhar o que cada um vai dizer. A comunidade científica, governantes, ANPC e bombeiros a esgrimirem argumentos. Uns e outros a dizerem verdades. Mas como sempre, uns e outros com a incapacidade de perceberem que todas as contribuições são válidas e que só em conjunto será possível, de forma séria e eficaz, resolver um problema de décadas. Sem supostas superioridades morais ou intelectuais. Problema esse que vai muito para além da prevenção, da preparação e da resposta, mas que é também um problema social, demográfico e de ordenamento. Todos o sabemos. Os que se interessam pelo tema ou aqueles que só se lembram dele quando o jornal das 8 da noite abre com chamas por todos os lados. Todos o sabem.

São 20h20 de 20 de Junho de 2017 e pede-se, por favor e de uma vez por todas, que aquela tragédia inesquecível de 17 de Junho de 2017 seja o Dia 0 do problema dos incêndios florestais em Portugal. Se 64 mortos não servirem para que seja desta, não vale a pena repetirem debates, comissões, estudos e anúncios disto e daquilo. Ninguém mais vai acreditar se não for desta. Aproveitem a oportunidade. Aproveitem a mobilização do país. E, acima de tudo, honrem as centenas de vidas que já se perceberam neste combate. É agora ou nunca.


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Comunicação e Prevenção: nem sempre fazer tudo bem é suficiente


Na noite de ontem, quando surgiu a ideia de fazer este texto com o objectivo de elogiar a Marinha Portuguesa, a Autoridade Marítima Nacional, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a Autoridade Nacional de Protecção Civil, os diversos serviços municipais de Protecção Civil, os demais agentes do sistema e, é justo dizê-lo desta vez, a comunicação social (apesar de em relação a esta ter um reparo a fazer...) pelo excelente trabalho de divulgação da informação e de prevenção de risco associado à tempestade Doris, surge a notícia da mulher que foi arrastada pelo mar em Ílhavo, sendo que as outras pessoas envolvidas conseguiram salvar-se. À hora que escrevo este texto, o corpo da senhora ainda não foi encontrado. Contudo, infelizmente, não será difícil adivinhar qual o desfecho desta tragédia

Um triste acontecimento, motivado, certamente, por comportamento negligente por parte daquele grupo de pessoas, que depois de todos os avisos e de todos os alertas, mesmo assim, acharam que deveriam estar no areal de uma praia num dia de risco meteorológico máximo no que às condições do mar diz respeito.

Mesmo assim, tal como atrás foi escrito, o sentido inicial que motivou a escrita destas linhas mantém-se. Todas as instituições e órgãos acima mencionados, merecem elogio pelo trabalho desenvolvido nos últimos dias. Falamos numa tempestade que segundo o IPMA se assemelhava na sua dimensão à tempestade Hércules, que em 2014 provocou diversos estragos junto da orla costeira do nosso país. Desde o fim da semana passada que foi iniciado um meritório trabalho de comunicação de risco por parte das autoridades, quer nas redes sociais, quer junto dos órgãos de comunicação social (tendo estes o mérito da respectiva divulgação). Durante os últimos dias, foi também visível o trabalho dos serviços municipais de Protecção Civil na mitigação dos possíveis riscos da tempestade (que, certamente, se iriam confirmar caso nada fosse feito), construindo barreiras de areia, apelando às populações que vivem junto da costa que preparassem as suas casas ou estabelecimentos comercias para a possível chegada da água junto das mesmas, cortando estradas marginais, vedando o acesso a praias e pontões, etc.

Se muitas vezes "condenamos" a negligência por parte dos diversos organismos ou fazemos reparos à sua actuação, também é justo elogiar quando estes têm um comportamento proactivo e preventivo. Mesmo o triste episódio de ontem em Ílhavo não pode apagar isto. Existirão sempre pormenores que podem ser melhorados, mas melhor comunicação do risco que esta tempestade marítima demonstrava ter, penso ser difícil de efectuar. E se mesmo com toda esta informação/divulgação algumas pessoas insistem em ter comportamentos de risco, imaginem então quando a mesma não é disponibilizada...

Neste momento a costa do nosso país encontra-se com aviso meteorológico laranja e esperamos que mais nenhuma tragédia ocorra entretanto. Contudo, penso ser justo elogiar o trabalho efectuado pelas autoridades e organismos envolvidos e, sobretudo, replicar no futuro a estratégia proacticva de comunicação e prevenção dos riscos para outros episódios, sejam eles de que natureza forem, que, com toda a certeza e cada vez maior frequência, irão ocorrer.

PS: Como disse atrás, a comunicação social teve também um papel importante na divulgação da informação por parte das autoridades. Deu o destaque devido ao risco que envolvia a tempestade Doris, sendo este episódio mais uma prova da importância dos órgãos de comunicação social (todos eles) no processo de comunicação de risco. Contudo, o reparo que gostaria de fazer é o seguinte: os pedidos para as pessoas enviarem fotos e vídeos para as redacções (mesmo que estes sejam acompanhados da recomendação para que o registo seja feito em segurança), leva, certamente, as pessoas que o querem fazer, a sentirem a tentação de se aproximarem o mais possível das zonas de risco na busca da melhor imagem possível. Se as pessoas já o fazem por si só, com este incitamento à divulgação de imagens terão ainda mais uma "razão" para o fazer. Uma situação que merece ser revista.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Dias de inferno e mais do mesmo

Penso que nos últimos dias, mesmo aqueles mais familiarizados com a temática da Protecção Civil e que, talvez por isso mesmo, são menos impressionáveis com determinadas ocorrências do que a maioria da população, não deixaram de ficar espantados com o cenário catastrófico que assolou a Madeira e, nomeadamente, o Funchal. Não é todos os dias (felizmente) que se observa um incêndio no Interface Urbano-Florestal (IUF) ganhar tamanha dimensão e, literalmente, avançar para o interior de uma cidade. O adjectivo "dantesco", tantas vezes associado a incêndios, depois das imagens de ontem, certamente, será aplicado com mais rigor por aqueles que o utilizam com frequência.

Tal como foi escrito na página no Facebook do Laboratório de Fogos Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal estaria a viver o seu Oakland Fire com a entrada do fogo no centro do Funchal. Apesar de tudo, o fogo do Funchal teve consequências menores que o de Oakland, sobretudo, no que à perda de vidas humanas diz respeito.

Arrisco a dizer que o incêndio da Madeira e a forma como este avançou pelas áreas urbanizadas da ilha, será, daqui para a frente, o melhor e mais flagrante case-study de um incêndio no IUF no território português. Acima de tudo, este incêndio poderá ser o exemplo maior de tudo o que foi feito e não deveria ter sido, no que ao ordenamento do território diz respeito, quer no espaço florestal, quer no convívio entre este e o espaço urbano, quer no espaço urbano propriamente dito. Quando, por exemplo, o fogo chegou ao centro do Funchal e passou a ser um incêndio, exclusivamente, urbano, também ficaram patentes as debilidades existentes e que são comuns a quase todas as cidades do nosso território. 

No espaço florestal propriamente dito e no IUF, apesar de notórios avanços que já foram feitos (será injusto não referi-lo), ainda há, de facto, muito a fazer. Ainda na semana anterior ao disparo do número de ocorrências e, por consequência, do número de incêndios de grande dimensão, tive oportunidade de passear pela zona Centro-Norte do nosso país e comentei várias vezes com quem me acompanhava dos verdadeiros "barris de pólvora" que íamos encontrando, nomeadamente, junto a zonas habitacionais com mato e vegetação "colados" às casas e, inclusive, a edifícios que albergam público e hóspedes... No dias seguintes, com muito pena nossa, alguns desses bonitos locais que visitámos, apareciam nas notícias devido à existência de incêndios de grandes proporções a afectá-los...

O diagnóstico está feito há muito e não vale a pena repeti-lo. Todos conhecem os motivos sociais, culturais, estruturais, económicos, políticos e outros que concorrem para que, anualmente (com maior ênfase em determinados anos), se vivam situações como as que vivemos nos últimos dias e, provavelmente, continuaremos a viver nos próximos. Além das questões ligadas ao ordenamento do território nacional, penso que o início da mudança de paradigma no que aos incêndios florestais diz respeito, começará no cidadão. Sensibilizando-o para não adoptar comportamentos de risco. Dotando-o de meios para que, juntamente com a comunidade onde está inserido, estes possam efectuar uma primeira intervenção e defender os seus pertences, libertando os meios de combate para outros locais onde estes sejam necessários ou não obrigando a saída destes meios dos locais estratégicos onde estão posicionados a combater o fogo. Punindo-o exemplarmente, quer quando não cumpre com a legislação em vigor no que à limpeza de matos diz respeito, nomeadamente, na criação de faixas de gestão de combustível ao redor das habitações e, sempre que for o caso, quando comete actos negligentes e de risco ou actos intencionais de fogo posto. O país tem que assumir, de uma vez por todas, que o cidadão é o primeiro e principal agente de Protecção Civil.

Depois, a questão do ordenamento do território, nomeadamente, do ordenamento florestal deverá passar, definitivamente, do habitual e já cansativo "politiquês", à prática efectiva, envolvendo todos aqueles que realmente entendem e estudam o assunto (todos poderão ser úteis) e pondo de parte a "politiquisse" costumeira e que pouco ou nada ajuda a estas e outras questões estruturais e do interesse do Estado.

Se o incêndio da Madeira deverá ser um case-study no que ao IUF diz respeito, existiram outras situações nos últimos dias que deverão ser estudadas e analisadas. Primeiro, o incêndio no parque automóvel do Festival Andanças (que, por experiência própria como consumidor de alguns destes festivais, tenho a certeza que poderia acontecer em outros eventos do género), deverá ser analisado por promotores deste tipo de eventos, nomeadamente, no que ao planeamento de emergência diz respeito e, de igual modo, pelas seguradoras, de modo a garantir a segurança de todos os frequentadores destes eventos festivos aquando da ocorrência de uma emergência, quer para que depois da emergência ocorrer, todos os envolvidos e lesados saibam com o que poderão contar no que diz respeito à reparação dos prejuízos.

A outra situação que deverá merecer análise (e que, parece-me a mim, no meio de toda a confusão vivida com os diversos incêndios, passou um pouco despercebida) foi a do corte de diversas auto-estradas, nomeadamente, a principal auto-estrada do país, a A1, devido aos incêndios e que obrigou milhares de automobilistas a ficarem retidos, sem alternativa, durante horas, num dia de calor tórrido e expostas ao fumo provenientes dos incêndios. Confesso o meu desconhecimento sobre a existência de um Plano de Emergência Rodoviário (ou com outra qualquer designação), mas parece-me que naquele dia, partindo do pressuposto que o mesmo existe de facto, estariam reunidas todas as condições para que a activação do mesmo fosse efectuada. Parece-me claro, que dado o número de horas que aqueles milhares de automobilistas e os respectivos passageiros (certamente com muitos idosos e crianças pelo meio) ficaram parados, ainda mais num dos dias mais quentes do ano e expostos a fumo, obrigaria a que algo fosse feito para minimizar a situação difícil destas pessoas.